NA TRAVESSIA DO MAR VIVO
Irm Antônio do Carmo Ferreira
Comparando,
comparando ... o viver parece-me bastante com a travessia de um mar vivo. Sem
calmarias. Sempre revolto. E povoado de monstros marinhos. É isto, com um pouco
menos de exagero. Mas que um mar vivo,
revolto e sem calmarias, é o que se oferece ao viver. Ah! Isto é.
A maçonaria
tem esta percepção, quando adverte o candidato que pretende ingressar em suas
fileiras. Há um compromisso do candidato para consigo mesmo, em se adequar à
filosofia da Ordem, além das obrigações para com o amor a Deus e ao
próximo; à dignificação da família e ao
zelo da pátria. Calmaria é prêmio. Só depois.
Se a proposta
é mudar o mundo viciado e agônico,
injetando-lhe vida nova, torna-se necessário formalizar as pedras
segundo às exigências do espírito deste novo tempo. E o construtor social
precisa esculpir-se. A começar por si próprio, porque se não sou capaz de mudar
a mim mesmo, falecer-me-ão, por assim entender, as condições da prática da
mudança de meu entorno.
Era o conselho
do Templo de Delphos: o nosce te ipsum,
ou seja, “conhece-te a ti mesmo”. Para isto é preciso seguir o caminho do
VITRIOL: voltando ao interior íntimo, pois lá é que se encontra a pedra
filosofal, a decifração das coisas. Acontece que dizer isto é muito fácil.
Difícil é a prática. E tome mar revolto ...
Mas insistir é
preciso. Sempre lembro o poeta maranhense, para quem “viver é lutar” e que esta
luta “aos fracos abate”, no entanto “aos bravos e fortes, só faz exaltar”.
O certo é que
“o compromisso para consigo mesmo”, a que se reporta a maçonaria, passa por aí,
pelo enfrentamento das dificuldades. Entretanto a Ordem maçônica não deixa o
seu integrante sozinho, considerando que o homem é um ser social. Criou a Loja,
como a “escola de conhecimento”, ou o lugar aonde vão os
maçons para, fortalecidos pelo orvalho da união, se estimularem uns aos outros na
prática da virtude. E
aí adquirirem o hábito de combate às suas paixões e da
submissão de suas vontades.
Do lado de cá
está o meu acampamento inicial. Minha vida é minha missão. E minha missão é
contribuir efetivamente para com o fazimento do lado de lá. Se não houve esta
contribuição, “fui só espectro de homem”. Pois em plácido
repouso adormeci, mas apenas “passei pela vida, não vivi”, como sentencia o poeta carioca Manuel Otaviano.
Hegel entendia
ser muito pouco ou nada contributivo o deixar tudo como está. Vem uma geração,
vem outra e outra mais, todas se vão, e tudo fica como foi encontrado. E a
evolução? Cadê o compromisso para com a evolução? Ou não há tal compromisso?
Gente de “pensamento pensado”, dizia
ele. Agora quer ver o filósofo alemão melhorar de tom? É somente ler a respeito
das gerações que receberam o acervo cultural e penetraram suas entranhas.
Dissecaram-no. Conheceram suas pos-sibilidades de melhorar. E acrescentaram
estas melhorias, dando-se em decorrência disto o surgimento de “um maravilhoso mundo novo”. Esta é a obrigação de cada geração. Legar à próxima “um maravilhoso mundo novo”, expressão devida a Aldous Huxley. Hegel filosofava de
“pensamento pensante” quem contribuía
desta forma.
Todavia, não
mais existe aquela história de maná caindo do céu ao amanhecer do deserto. Se
quisermos possuir o maná, temos que fabricá-lo. Meter a nossa mão na massa.
Submeter nossas vontades. Vencer nossas paixões. Senão a evolução não vem. E a
construção social não acontece.
O lado de lá
(lembram Canaã?) é um pós-mar vivo. A missão do viver é atravessa-lo. É chegar
lá. Percalços! Eles devem de haver. Aí não esquecer Moisés. Medroso e com
dificuldades até no falar, temia por sua missão. Mas o Grande Arquiteto do
Universo sempre lhe garantia, como decerto garantirá a todos que honram seus compromissos:
“Eu serei contigo”.(Êxodo 4, 12 e 4, 15)...............
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